Dia Internacional da Mulher: três aspectos em direção à plena cidadania

Dia Internacional da Mulher é muito mais do que uma data para homenagens e presentes. É um momento para refletirmos sobre o que, de fato, precisa acontecer para termos um mundo com mais igualdade, respeito e plena cidadania da mulher.

Por isso, queremos difundir e propor a discussão de três conceitos fundamentais para dimensionarmos o cenário atual e os obstáculos em direção a um futuro mais justo e igualitário: a dupla jornada, a interseccionalidade e os espaços de poder.

dupla jornada é a realidade da maioria das mulheres. Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), as mulheres brasileiras trabalham cerca de 7,5 horas a mais do que os homens na semana, já que precisam se desdobrar entre a rotina profissional e as atividades em seus lares, sendo pouco ou nada ajudadas pelos seus companheiros. E quando lembramos que, no mercado de trabalho, essa mulher muitas vezes recebe menos do que o homem por exercer a mesma função, a dupla jornada se torna ainda mais injusta.

Trata-se de uma herança cultural de difícil mudança – e que produz consequências nefastas para as mulheres ao longo do tempo. Muitas apresentam estresse, desgaste físico, depressão e baixa autoestima. O problema é ainda maior nas famílias de baixa renda, em que a perspectiva de contratação de empregada doméstica ou de aquisição de melhores eletrodomésticos é menor, deixando a mulher ainda mais sobrecarregada. Na pesquisa do Ipea, muitas entrevistadas se queixaram de não ter tempo para cuidar delas próprias e de suas aparências, o que, por sua vez, faz com que elas temam ser abandonadas por seus parceiros, por não terem mais a vaidade de antes.

Já a interseccionalidade é a interação entre dois ou mais fatores sociais que definem uma pessoa – questões de identidade como gênero, etnia, raça, localização geográfica ou idade. Isso significa que nunca somos só uma coisa, somos a soma do que nos caracteriza, e isso faz com que as situações de desigualdade se intensifiquem ou se atenuem, dependendo de cada caso.

Um exemplo concreto: no mercado de trabalho latino-americano, as mulheres recebem em média 18% menos que os homens. No entanto, para as mulheres rurais, segundo a Organização Internacional do Trabalho, essa diferença chega a 40%. Ou seja: a interseccionalidade “mulher + rural” amplifica uma situação discriminatória.

Outro exemplo: na Bolívia, as mulheres indígenas recebem 60% menos do que as mulheres não indígenas pelo mesmo tipo de trabalho. Também lá, a diferença de alfabetização entre meninos indígenas e não-indígenas (2,6 anos de escolaridade a menos) é menor do que entre meninas indígenas e não-indígenas (2,8 anos a menos).

Se pensarmos em outros grupos que historicamente sofrem discriminação, como pobres, negros, migrantes, LGBTQIA+, idosos e pessoas com deficiência, não é difícil imaginar que as mulheres desses grupos padecem ainda mais. Portanto, entender a interseccionalidade significa entender que a realidade de muitas mulheres é ainda mais difícil devido ao “combo” que carregam, refletindo em suas relações pessoais, sociais e profissionais.

Por fim, tem-se a questão dos espaços de poder, que significa a busca pela paridade de gênero da política. Afinal, já que as mulheres são metade da população, precisam estar no poder nessa mesma proporção para que seus direitos sejam assegurados. Nesse sentido, vários países da América Latina estão à frente do Brasil. No México, desde 2018 a paridade é obrigatória no Congresso, e a partir de 2019, também nos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário e nos órgãos federais, estaduais, municipais e autônomos. O Chile realizou, entre 2021 e 2022, a primeira Convenção Constitucional do mundo composta em igual número por homens e mulheres. A Colômbia, por sua vez, aprovou em 2020 a paridade de gênero em listas eleitorais.

Já o Brasil, segundo dados do Observatório da Igualdade de Gênero da América Latina e do Caribe, ligado à ONU, é um dos países com a menor representatividade feminina na política em toda a América Latina, à frente apenas de Belize e do Haiti. Como mudar esse quadro? Como podemos avançar?

É importante notar como os três aspectos acima se inter-relacionam. Vejamos a ocupação de espaços de poder, por exemplo. Ela é contaminada pela dupla jornada – afinal, como a mulher terá tempo para atuar politicamente? – e pela interseccionalidade – já que outras condições, como etnia, raça e renda, afetam a percepção dessa mulher pela sociedade. A dupla jornada é afetada pelos espaços de poder, já que a perpetuação dos homens em posições decisórias reforça o machismo em casa; e pela interseccionalidade, pois mulheres pobres trabalham mais em casa do que as que têm melhor condição. E assim por diante.

Por tudo isso, é preciso fazer do 8 de março um momento realmente diferente, em que sejamos capazes de aprofundar o debate e propor ações efetivas em direção à redução da desigualdade de gênero. As mudanças infelizmente são mais lentas do que gostaríamos – mas se há algum movimento, devemos comemorá-lo e unir forças para acelerá-lo. 

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